Márcio Nogueira* — Não é justo premiar tribunais por números, se os direitos das pessoas são atropelados no caminho. A obsessão por produtividade, por metas frias e dados em planilhas pode mascarar a realidade vivida diariamente por quem depende do Judiciário. A Justiça não pode ser celebrada apenas por sua velocidade — é preciso também reconhecer sua humanidade.
O Prêmio CNJ de Qualidade, iniciativa importante do Conselho Nacional de Justiça, vem estimulando avanços e modernização nos tribunais de todo o país. Rondônia, por exemplo, abriga o tribunal que mais vezes recebeu o selo diamante, o mais alto reconhecimento da premiação. Como presidente da seccional da OAB nesse estado, valorizo essa conquista. Mas é justamente por vir de um tribunal reconhecido que afirmo com convicção: é preciso revisar os critérios. Porque a quantidade não pode valer mais que a justiça.
A lógica puramente numérica pode acabar invisibilizando valores essenciais da Justiça, como o direito de defesa, a escuta da advocacia, o tempo necessário para uma sustentação oral, a dignidade das partes e a qualidade da decisão. O risco é premiar quem ignora prerrogativas profissionais, restringe o acesso aos autos ou transforma o jurisdicionado em estatística.
Nos estados, esse paradoxo se torna ainda mais evidente: os tribunais mais premiados são, muitas vezes, os mesmos que impõem obstáculos à atuação da advocacia. A pressa por resultados transforma o cidadão em número, e não em sujeito de direitos. O reconhecimento, assim, tornam-se distorcido — e a Justiça, desfigurada.
A OAB não pode se calar diante disso. Como representante da advocacia, reafirmo que não se mede a qualidade da prestação jurisdicional sem ouvir quem dela participa todos os dias. Excelência não é só eficiência — é respeito, escuta institucional e compromisso com a verdade dos fatos.
Por isso, defendemos um aprimoramento dos critérios do Prêmio CNJ de Qualidade. Não se trata de negar os avanços conquistados, mas de dar um passo além. Um passo que incorpore critérios como: respeito às prerrogativas da advocacia; canais permanentes de diálogo com a OAB; agilidade em pedidos urgentes; disponibilidade dos magistrados para despachos presenciais ou virtuais; incentivo à conciliação com participação efetiva das partes; e grau de satisfação de advogados e jurisdicionados com os serviços prestados.
Esses dados são mensuráveis, objetivos e representam o que de fato dá sentido à Justiça em tempos de automação. Porque, sem alma, a máquina não serve ao cidadão — apenas aos próprios sistemas.
O Prêmio CNJ de Qualidade não pode ser um ranking de produtividade. Precisa reconhecer quem decide com empatia, quem respeita o tempo da vida, quem enxerga o processo para além do protocolo. A experiência real das partes e dos profissionais do direito precisa contar. E muito.
A OAB tem sido firme: eficiência não basta. Justiça, para ser plena, precisa ser justa. E não se constrói justiça sem o protagonismo da advocacia. Que o CNJ ouça a advocacia, os jurisdicionados, todos os que compõem o sistema de justiça. Porque a verdadeira qualidade não está apenas no número de sentenças — mas no impacto que elas geram na vida das pessoas. E é isso que, no fim das contas, define o que é justo.
Márcio Nogueira – Presidente da OAB Rondônia